Cadê a Fosfina?

Imagem de Vênus, com espectro sobreposto, mostrando linhas de absorção do ozônio (O3) na atmosfera da terrestre e sem indicação da presença de fosfina (PH3). – [Imagem produzida por Wandeclayt M. com dados da espaçonave Messenger, durante seu segundo sobrevoo a Vênus em junho de 2007. A imagem é uma composição colorida RGB utilizando os canais de 433.2nm, 579.9nm e 748.7n do instrumento MDIS, capturados quando a nave passava a 66 mil km do planeta].

Em 2021, o anúncio da detecção de traços do gás fosfina (PH3) na atmosfera do planeta Vênus, apontada por dados do rádio observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array), causou euforia na comunidade científica.

Antenas do radio observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) no norte do Chile. Com dados desde observatório, um grupo publicou em 2021 a descoberta de uma abundância acima da esperada de moléculas de fosfina na atmosfera de Vênus. [imagem: ESO/B. Tafreshi]

A abundância de fosfina reportada inicialmente (20 partes por bilhão) era anormalmente alta e sua origem não poderia ser facilmente explicada por processos conhecidos. A euforia vem do fato da fosfina ser um biomarcador – uma molécula que pode estar associada ao metabolismo de seres vivos – que na Terra é formada por matéria orgânica em decomposição, e seu excesso, se confirmado, poderia significar a presença de vida na atmosfera de Vênus. Uma hipótese ousada que precisaria de dados muitos robustos para suportá-la.

O trabalho de Martin Cordiner, do Goddard Space Flight Center, e colaboradores, aceito para publicação no periódico Geophysical Research Letters.

Mas os dados robustos não vieram. Após a divulgação do resultado, uma recalibração dos dados do ALMA levou a uma estimativa muito mais modesta: de 1 a 7 partes de fosfina por bilhão. Algo muito mais condizente com processos naturais, como atividade vulcânica e outros processos que não envolvem metabolismo de seres vivos.

Cuidadosas observações realizadas em seguida, pelo recém aposentado telescópio infravermelho SOFIA – um telescópio de 2.7m de diâmetro operando embarcado em um Boeing 747 modificado da NASA – deram origem a um trabalho publicado por Martin Cordiner do Centro Espacial Goddard, e colaboradores, estabelecendo um limite superior para a abundância de fosfina venusiana: a substância não foi detectada, e caso ela esteja presente na atmosfera do planeta, não deve exceder as 0.8 partes por bilhão na faixa entre 75 e 110 km de altitude.

SOFIA (Stratospheric Observatory for Infrared Astronomy) – Um telescópio infravermelho de 2,7m de diâmetro (2,5m de diâmetro útil), aerotransportado em um Boeing 747 adaptado. Uma cooperação entre as agências espaciais dos EUA (NASA) e Alemanha (DLR).

Durante sua vida útil, o observatório SOFIA operou em uma condição privilegiada: voando entre 38000 e 44000 pés de altitude, seu telescópio se colocava acima de 99% da atmosfera terrestre e de seus efeitos na absorção da reveladora radiação infravermelha. Sua mobilidade também era uma grande vantagem, permitindo observar eventos transientes como eclipses e trânsitos de objetos do Sistema Solar, mesmo quando esses só fossem visíveis sobre o oceano ou outras regiões onde não há observatórios.

Os dados do SOFIA vão na direção do que muitos esperavam e reforça a ideia de que o resultado publicado em 2021 foi fruto de dados mal calibrados. Este é um processo comum na ciência: um trabalho pode chegar em conclusões incorretas por falhas em seus métodos ou em seu conjunto de dados, mas análises e novas observações posteriores podem mostrar essas inconsistências e corrigir esses resultados.

Operação Santa Branca – Sucesso no Lançamento de Foguete VSB-30 em Alcântara.

Foguete VSB-30 é lançado com sucesso a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na Operação Santa Branca. Este é o 6º VSB-30 lançado a partir do CLA. [imagem: Divulgação/Agência Espacial Brasileira/Força Aérea Brasileira].

Menos de 12 meses após o sucesso da Operação Cruzeiro, que realizou o primeiro voo do projeto de veículo hipersônico 14-X, acelerado por um foguete VSB-30 realizando a função de Veículo Acelerador Hipersônico (VAH), a Força Aérea Brasileira (FAB) e a Agência Espacial Brasileira (AEB) anunciam o sucesso de mais uma operação no Centro de Lançamento de Alcântara.

O VSB-30 é um veículo suborbital de dois estágios, da família de foguetes de sondagem brasileiros, com capacidade para transportar cargas úteis de até 400kg em voos com apogeu nominal de 250 km com tempo de voo superior a 6 minutos acima dos 100km de altitude, conforme dados do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) 2012-2021 e de apresentação do DCTA no COPUOS – Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (2014).

O veículo VSB-30 deixa o lançador para o voo do qualificação da Plataforma Suborbital de Microgravidade (PSM). [imagem: Divulgação/Força Aérea Brasileira/Agência Espacial Brasileira]

O VSB-30 é o primeiro veículo espacial brasileiro a receber certificação de tipo, garantindo confiabilidade e rastreabilidade nos processos de produção deste foguete que além de atender o programa espacial brasileiro é utilizado pelo DLR (Centro Aeroespacial Alemão) para lançamentos suborbitais que atendem o programa europeu de experimentos em ambiente de microgravidade, substituindo os foguetes britânicos SKYLARK, descontinuados em 2005. A gerência do projeto VSB-30 cabe ao Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), subordinado ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). O IAE é responsável pela preparação e integração do veículo, pelo carregamento dos motores, por toda a campanha de ensaios e pela coordenação geral e técnica da operação.

A Operação Santa Branca


De acordo com a AEB a Operação Santa Branca tinha como objetivo qualificar em voo a Plataforma Suborbital de Microgravidade produzida pela empresa brasileira Orbital Engenharia. Com a nacionalização deste componente, o veículo VSB-30 passa a ser um foguete 100% nacional e garante autonomia para que o Brasil ofereça este serviço para clientes que necessitem voos suborbitais que proporcionam 6 minutos em ambiente de microgravidade .

Conversamos com representantes da AEB, do INPE e da Orbital Engenharia sobre o sucesso da missão e sobre sua importância para o Programa Espacial Brasileiro e para a independência científica e tecnológica do Brasil.

Presidente da Agência Espacial Brasileira, Coronel Carlos Moura, inspeciona a carga útil recuperada após o voo do VSB-30 na Operação Santa Branca. [imagem: Divulgação/AEB].

No bicentenário da Independência, buscamos a Independência no espaço.

Sobre a importância da nacionalização de todos os componentes do VSB-30, o presidente da AEB, Coronel Carlos Moura nos conta : “O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2022-2031) preconiza a busca da “não dependência”. Portanto, desenvolver, no País, a capacidade de conceber, projetar, produzir e operar os componentes e os sistemas do VSB-30 alinha-se com esse objetivo. Traz mais flexibilidade para a realização de operações de forma autônoma e amplia a possibilidade de o Brasil participar do mercado espacial com seus institutos de pesquisa e desenvolvimento e o setor privado.

O presidente da AEB ressalta ainda a importância do programa de microgravidade para o desenvolvimento da ciência nacional e para impulsionar a indústria aeroespacial brasileira: “O Brasil é um dos poucos países com capacidade de realizar operações suborbitais em ambiente de microgravidade (imponderabilidade). O Programa de Microgravidade, conduzido pela AEB, é uma maneira de fomentar a participação de nossas instituições nesse segmento, tanto para pesquisas científicas, como para desenvolvimentos tecnológicos. Há interesse nacional e internacional nesse tipo de experimentação em microgravidade, como, por exemplo, pelo setor de fármacos. Assim, uma vez estabelecida a capacidade interna de organizar e realizar operações desse tipo, empregando veículo e infraestrutura de solo nacionais, fica-nos viável promover a inserção do País no mercado internacional via, principalmente, a exploração dessas atividades pelo setor privado.

Dr. Chen (INPE) analisa o experimento SLEM (Solidificação de Ligas Eutéticas em Microgravidade) após voo da Operação Santa Branca. [Imagem: Divulgacão/Força Aérea Brasileira/INPE]

A Carga Útil


O Dr. Chen An, da Divisão de Materiais do INPE nos conta que o voo do VSB-30 permite a “realização de experimentos em condições de microgravidade (imponderabilidade) para o estudo de fenômenos físicos sem a ação resultante da força da gravidade terrestre“. O Dr. Chen é o coordenador de um experimento embarcado como carga útil na Operação Santa Branca. O SLEM (Solidificação de Ligas Eutéticas em Microgravidade) é um experimento que realiza a fusão de metais em um forno embarcado no foguete e em seguida solidifica a amostra durante o período em que o veículo atinge as condições de microgravidade.

O sucesso na qualificação da PSM foi o elemento determinante para atingir as condições de voo requeridas pelo experimento do Dr. Chen. Após o voo, com apogeu de 227km, o êxito na recuperação da carga útil depois de sua queda no oceano a 185km da costa permitiu o resgate do experimento, garantindo a possibilidade de análise em laboratório das amostras solidificadas em microgravidade.

Sobre a PSM, conversamos com Célio Vaz, Diretor da Orbital Engenharia que nos conta: “A Plataforma Suborbital de Microgravidade PSM, possui a função de viabilizar a realização de experimentos científicos e tecnológicos no espaço, em um ambiente, proporcionado pela própria plataforma, que chamamos de microgravidade. A PSM representa um marco importante no desenvolvimento das tecnologias espaciais no Brasil, pois ela torna possível a nosso País realizar pesquisas no espaço de modo independente e, também, oferecer estes serviços no mercado internacional.

Ações de Educação e Divulgação Científica.

Além das ações diretamente ligadas ao lançamento, o Plano Nacional de Atividades Espaciais prevê ainda ações de sensibilização da opinião pública em relação à temática espacial. Neste sentido, nós do Projeto Céu Profundo demos nossa contribuição conduzindo sessões de observação telescópica em escolas e na Praça da Matriz, no centro histórico de Alcântara, complementando a programação de palestras ministradas por representantes da AEB, do INPE e da Secretaria de Educação de Alcântara.

O Projeto Céu Profundo em parceria com a Escola Caminho das Estrelas e o Museu Histórico de Alcântara promoveu duas noites de observação do céu, apresentando os planetas Júpiter e Saturno através de telescópios num evento aberto à comunidade na Praça da Matriz em Alcântara – MA. O evento teve participação da AEB, do INPE e da Secretaria Municipal de Educação de Alcântara.
A notável presença de público nas duas noites de observação conduzidas pelo Projeto Céu Profundo e viabilizadas pela Escola Caminho das Estrelas e pelo Museu Histórico de Alcântara evidenciam o interesse por da população de Alcântara por temas espaciais.

A complexa operação de lançamento envolveu diversas organizações, a começar pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), sede da operação, e incluindo o IAE (fabricante do veículo), IFI (órgão de certificação), Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (rastreio radar), Orbital (fabricação da PSM), INPE (experimento embarcado), os esquadrões aéreos 1º/8ºGAv e 7º/8º GAv (recuperação da carga útil), 3º/7º GAv (esclarecimento e patrulha) e do PARA-SAR (recuperação da carga útil).

A sinergia no operação conjunta de todos esses atores evidencia que o Espaçoporto de Alcântara tem plena capacidade de oferecer com segurança e excelência serviços de infraestrutura e apoio para lançamentos espaciais, trazendo para o Brasil a possibilidade de exploração de um crescente e exigente mercado na Nova Era Espacial.

O Telescópio Espacial Spitzer

Muito antes do poderoso Telescópio Espacial James Webb desdobrar-se no espaço e apontar seu colossal espelho de 6,5m para planetas, nebulosas e galáxias, um pequeno telescópio espacial, com espelho de modestos 0,85m de diâmetro expandia nossa visão dos céus, observando estrelas nascendo e morrendo, nuvens moleculares, exoplanetas, galáxias com núcleos ativos e muitos outros objetos que guardam informações importantes na radiação infravermelha que – absorvida por nossa atmosfera – é completamente inacessível aos telescópios construídos no solo.

Seu nome é uma homenagem ao astrônomo Lyman Spitzer Jr, que em 1946, mais de uma década antes do lançamento do Sputnik – o primeiro satélite artificial, lançado pela União Soviética em 1957 – defendeu a ideia da construção de telescópios orbitais. Spitzer argumentou que a grande contribuição de um telescópio espacial não seria complementar nossa visão corrente do Cosmos, mas sim descobrir novos fenômenos sequer imaginados, realmente expandindo nosso conhecimento do universo e abrindo novas fronteiras para a pesquisa.

Lançado em 25 de agosto de 2003 e projetado para uma vida útil mínima de 2,5 anos, o telescópio espacial Spitzer manteve-se em funcionamento prestando bons serviços à astronomia por longos 16 anos de operação. Embora sua operação nominal dependesse de um sistema refrigerado a hélio líquido que se exauriu após 5,5 anos, foi possível continuar operando o telescópio em um regime de funcionamento restrito a frequências mais próximas do visível após o esgotamento do gás refrigerante.

Faixas de cobertura de comprimentos de onda do espectro eletromagnético dos telescópios espaciais Hubble, James Webb e Spitzer. [NASA/STScI. Traducão: Wandeclayt/Céu Profundo]

E mesmo após o término de sua vida operacional o Spitzer continua contribuindo com a ciência. Os dados coletados durante seus 16 anos de operação ainda alimentam pesquisas como a da astrônoma Yanna Martins-Franco, do Observatório do Valongo (OV/UFRJ) que utiliza em seu trabalho dados de galáxias luminosas em infravermelho observadas pelo Spitzer e disponíveis em seu banco de dados.

As galáxias NGC 5394 e 5395 formam o sistema de galáxias em interação ARP 84. Nesta imagem combinamos dados dos 4 canais do instrumento IRAC do Telescópio Espacial Infravermelho Spitzer.

O sistema de galáxias em interação ARP 84 (formado pelas galáxias NGC5394 e NGC5395) faz parte da amostra estudada por Yanna. Usamos dados nas quatro faixas do infravermelho capturadas pelo Spitzer através do instrumento IRAC (Infrared Array Camera) para compor esta imagem da ARP84. Como estas faixas estão fora do espectro visível, é preciso atribuir cores artificialmente a esses dados. Essa atribuição de cores, apesar de arbitrária, procura seguir um critério: aos comprimentos de onda mais longos são atribuídos aos tons mais avermelhados e os mais curtos aos azulados. Assim, o vermelho corresponde a emissão de estruturas mais frias, como a poeira que apareceria escura numa imagem em luz visível, mas que aparece em vermelho brilhante na imagem composta.

IRAC foi o único dos instrumentos que continuou em operação após o esgotamento do hélio líquido e embora os detectores operando em faixas mais longas -em 5,8 e 8,0 mícrons – estivessem quentes demais para realizar observações cientificamente úteis, os canais operando em 3,6 e 4,5 mícrons puderam funcionar com alto desempenho até a desativação do telescópio em 30 de janeiro de 2000.

E se você tem curiosidade em acessar os dados e construir suas próprias imagens com o telescópio Spitzer, a dica é navegar pelo IRSA – InfraRed Science Archive onde dados do Spitzer e de outros telescópios infravermelhos podem ser acessados e visualizados através de diversas interfaces de acesso.

Página inicial do NASA/IPAC InfraRed Science Archive, onde dados de vários telescópios infravermelhos podem ser acessados e visualizados.

LCO – Guia do Participante

Parabéns! Você está participando do programa LCO/MCTI Imagens do Céu Profundo e terá 1h de tempo de observação em telescópios robóticos de 0,40m de abertura, equipados com imageadores (imageador é um dos nomes que usamos para sensores astronômicos que produzem imagens, mas tudo bem se você chamar de câmera) de alto desempenho.

O programa é coordenado pelo Observatório Nacional e tem a nossa participação como tutores, ajudando na escolha de alvos e no uso dos softwares de processamento de imagens.

Para entender como telescópios equipados com imageadores produzem suas imagens (Isso vale para os telescópios do LCO, para Hubble, para o James Webb e para qualquer telescópio dedicado a pesquisa) você pode começar por esse vídeo:

Agora vamos a um passo a passo de como selecionar os alvos, solicitar as observações e transformar os dados em imagens!

1. O que é o LCO?

A rede Las Cumbres Observatory integra um conjunto telescópios em sítios localizados no Havaí, Texas, Chile, Ilhas Canárias, África do Sul e Austrália. Há também um sítio em Israel, com um telescópio de 1m de diâmetro que não faz parte de nosso programa. O LCO disponibiliza dados de observação e tempo de uso de telescópios para atividades de educação e divigulgação, dentro do programa 100 horas para 100 escolas. É nessa iniciativa que o programa LCO/MCTI se encaixa.

2. O que posso observar?

O nome do projeto é “Imagens do Céu Profundo” e traduz bem uma fusão que os telescópios de 0,40m desempenham muito bem: observar objetos difusos fora do Sistema Solar (os objetos do Céu Profundo). Mas também é possível fazer imagens de planetas e pequenos corpos do sistema solar (cometas, asteroides, planetas anões) e objetos estelares. No entanto, imagens com tempos de exposição longos de objetos muito brilhantes causam saturação no sensor e devem ser evitados.

3. E como escolher objetos de Céu Profundo para observar?

O astrônomo francês Charles Messier compilou no século 18 um catálogo de 110 objetos de aparência nebulosa que poderiam ser confundidos com cometas. Messier era um caçador de cometas e seu catálogo é composto de objetos que na verdade não eram de seu interesse e que poderiam frustrar outros caçadores de cometa. O seu catálogo inclui objetos de naturezas bem distintas: aglomerados estelares abertos e globulares, nebulosas de emissão, restos de supernova, nebulosas planetárias e galáxias. Essa lista de objetos desinteressantes para Messier no século 18, são na verdade um verdadeiro baú do tesouro para astrônomos amadores de hoje: objetos luminosos e visíveis até por telescópios modestos (alguns dos objetos do catálogo Messier são visíveis inclusive a olho nu).

Nossa sugestão inicial é: pesquise os 110 objetos do catálogo Messier. Os objetos são numerados sequencialmente, recebendo o prefixo M: M1 é a Nebulosa do Caranguejo, M13 é o grande aglomerado globular em Hércules, M31 é a Galáxia de Andrômeda, M42 é a Grande Nebulosa de Órion…

Como Messier estava na Europa, há objetos de céu profundo fascinantes no hemisfério sul celeste que não eram visíveis para ele e não entraram em seu catálogo. O astrônomo amador e popularizador da astronomia inglês Patrick Moore compilou um catálogo, publicado em 1995, que complementa o catálogo Messier, com 109 objetos de céu profundo brilhantes e observáveis por astrônomos amadores que não constam do catálogo de Messier. Moore usou seu outro sobrenome para nomear o catálogo: Caldwell. E seus objetos são nomeados com o prefixo C: C63 é a Nebulosa da Hélice, C77 é a galáxia Centaurus A, C80 é o aglomerado globular Omega Centauri… Você pode buscar por esses catálogos na Wikipedia, e em seguida pode visualizar os objetos usando a ferramenta ESA SKY. O ESA SKY é uma implementação online do atlas astronômico ALADIN. Uma ferramenta indispensável em seu cinto de utilidades astronômicas.

O portal ESA SKY é uma implementação online do atlas ALADIN. Use-o para ver imagens fotográficas dos objetos de Céu Profundo e planejar suas observações.

Resumindo: pesquise com sua equipe os objetos dos catálogos Messier e Caldwell. Estude as classes de objetos, suas magnitudes e encontre suas coordenadas (Ascenção Reta e Declinação). Encontre também seu tamanho aparente (em segundos ou minutos de arco) e compare com o campo dos imageadores (30′ x 20′).

4. E como observar?

Agora que os possíveis alvos foram escolhidos é preciso saber se eles estão visíveis no período de disponibilidade do seu tempo de observação. Queremos também evitar que a Lua esteja perto do objeto, interferindo na observação. Podemos usar o simulador Stellarium para verificar essas condições. Insira a data provável da observação e procure o objeto escolhido. Verifique a hora de nascimento, de trânsito e de ocaso. Verifique também se a Lua está nas proximidades. Se tudo estiver ok, podemos passar adiante e solicitar a observação.

4.1 O Jeito Fácil!


Através do formulário rápido Our Solar Siblings – Quick Submit é possível solicitar as observações em um modo automático que não requer prática nem tampouco habilidade! Use o número de catálogo do objeto ou o nome próprio (quando existir). O sistema de buscar encontrará as coordenadas e gerenciará o tempo de exposição. Seu pedido de observação entrará na fila de requisições e tudo o que você precisa fazer é esperar pelos dados. Confira no site https://observe.lco.global/ se sua observação está na lista e qual o seu status.

4.2 O Jeito Poderoso!

https://observe.lco.global/
Aqui você vai precisar de um pouco mais de intimidade com os diversos parâmetros envolvidos, mas também vai poder ter controle em pontos que o Our Solar Siblings decidiu por você. Neste modo manual você pode definir tempos de exposição diferentes em cada filtro, pode montar mosaicos de objetos que sejam grandes demais para caber no campo de uma única imagem e pode também escolher filtros que estejam fora do padrão BVR.

Neste vídeo apresentamos o LCO Observing Portal:

5. E Como Transformo os Dados em Imagens Coloridas?

Os dados disponibilizados após a observação seguem o padrão adotado na astronomia profissional. Os asquivos são disponibilizados no formato FITS, um formato de arquivo realmente versátil e poderoso, capaz de transportar não apenas dados de imagem, mas também informações sobre o instrumento e o local de observação, sobre o objeto observado e até de incorporar um sistema de coordenadas celestes, permitindo que façamos medidas de posições (astrometria) em nossas imagens.

Recomendamos o software SAO Image DS9 para abrir os arquivos FITS e para combinar os arquivos obtidos nos filtros B (Azul), V(Verde/Visual) e R(Vermelho) em uma única imagem colorida. É um programa leve, gratuito e com interface simplificada. Temos vídeos apresentando as funcionalidades do DS9 aqui: https://www.youtube.com/watch?v=R92DeVu5zNE

6. E o que fazer com essas imagens?

Produzir imagens astronômicas é uma atividade que permite múltiplas abordagens. É possível pensar na física e na composição química dos objetos imageados, na sua morfologia, na sua nomenclatura ou puramente em seus aspectos estéticos. É uma atividade multidisciplinar por natureza e sem muita dificuldade é possível integrá-la em todos os níveis de ensino e em diverentes unidades de conteúdo dentro da BNCC. Discutimos um pouco sobre isso no vídeo seguinte:

Mas além de seu uso na sala de aula, participantes do programa Imagens do Céu Profundo precisam produzir um pequeno relatório para se tornarem elegíveis ao certificado de conclusão das atividades do programa. Essas instruções são passadas mais detalhadamente após o período de observação.

7. Meu Tempo de Observação Acabou. O Que Mais Posso Fazer Dentro do Programa?

É possível continuar acessando o banco de dados do portal LCO e trabalhando com observações já realizadas. Você não poderá solicitar novas observações, mas o banco de dados é gigante e você vai poder explorá-lo para compor novas imagens a partir dos dados arquivados.

Além disso, você pode acessar outros bases de dados astronômicos (com dados do Hubble, do James Webb e de outros grandes telescópios também!!) e usar as mesmas técnicas que aprendeu para utilizar com os dados do LCO.

ALERTA DE BOATO: O que é o Afélio?

Se você não recebeu uma bizarra mensagem falando sobre um nefasto “Fenômeno APHELION” em algum grupo do whatsapp, provavelmente ainda vai receber.

Captura de tela da mensagem FALSA que diz "A partir de amanhã, às 5:27, vivenciaremos o fenômeno aphelion, onde a Terra estará muito distante do Sol. Não podemos ver o fenômeno, mas podemos sentir seu impacto. Isso vai durar até agosto. Teremos um clima frio mais do que o clima frio anterior, o que afetará a gripe, tosse, falta de ar, etc. A distância da Terra ao Sol é de 5 minutos-luz ou 90 milhões de km. O fenômeno do afélio a 152 milhões de km."
A mensagem com conteúdo falso que tem circulado no whatsapp usando o termo astronômico em inglês Aphelion e com informações distorcidas.

O boato pega carona em um termo astronômico e segue destilando alarmismo e pedindo compartilhamento! Mas o que é realmente o afélio (é esse o termo em português)? E tem ele algum efeito perceptível no clima?

A órbita terrestre, como a de todos os planetas, é uma elipse, ou seja, um círculo um pouco alongado. E por ser alongada, a órbita possui um ponto mais próximo ao Sol, que chamamos de periélio, e um ponto mais distante, que chamamos de afélio. O afélio não é, portanto, um fenômeno, mas apenas um ponto de nossa órbita por onde passamos todos os anos. O boato também passa longe da realidade quando diz que o afélio vai durar de “amanhã” (não há data na mensagem) até agosto. O afélio é apenas um ponto na órbita e não um fenômeno duradouro. Em 2022 passaremos por esse ponto no dia 4 de julho. E em 4 de janeiro, passamos pelo outro ponto importante, o periélio. Mais informações sobre essas datas podem ser encontradas no site Time and Date.

A órbita da Terra, em azul na imagem, é quase circular e distância da Terra ao Sol varia apenas 1,7% em relação à média, como visto nesse gráfico gerado pelo visualizador de órbitas do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da NASA. Ao contrário das órbitas de Mercúrio – a mais interna no gráfico – e a de Marte – a mais externa – que possuem excentricidade considerável. (https://ssd.jpl.nasa.gov/tools/orbit_viewer.html)

A mensagem acerta na distância em que a Terra se encontra do Sol no afélio (152 milhões de km), mas usa um valor absurdamente menor (e errado!) para o periélio, fazendo parecer que no afélio estamos muito mais distantes do Sol do que no resto do ano. Na verdade, a variação entre a distância média da Terra ao Sol e a distância no afélio e no periélio é de apenas 1,7% – o que é completamente imperceptível na prática. Os valores na tabela abaixo foram extraídos da Tabela de Dados Planetários do Centro Espacial Goddard da NASA e os valores da distância média ao Sol e do afélio e periélio da Terra estão destacados. Note que o valor de 90 milhões de km, atribuído ao periélio na mensagem, nos colocaria dentro da órbita de Vênus!

 Mercúrio  Vênus  Terra Marte Júpiter  Saturno  Urano  Netuno 
Distância Média ao Sol (106 km)57.9108.2149.6228.0778.51432.02867.04515.0
Periélio (106 km)46.0107.5147.1206.7740.61357.62732.74471.1
Afélio (106 km)69.8108.9152.1249.3816.41506.53001.44558.9
Excentricidade Orbital0.2060.0070.0170.0940.0490.0520.0470.010
Parâmetros orbitais dos planetas do Sistema Solar. fonte: https://nssdc.gsfc.nasa.gov/planetary/factsheet/

Vale lembrar também que não é o afélio que causa o inverno. Em julho, quando estaremos no inverno do hemisfério sul, será pleno verão no hemisfério norte.

As estações do ano são um efeito da inclinação do eixo de rotação da Terra em relação à sua órbita, que expõe mais diretamente um hemisfério aos raios solares do que o hemisfério oposto, de acordo com a época do ano.

Verão no Hemisfério Sul
No verão do hemisfério sul, os raios do Sol atingem mais diretamente nosso hemisfério e permanecemos iluminados por mais tempo. Os dias são mais longos e as noites são mais curtas. Ao mesmo tempo, o hemisfério norte recebe menos luz solar. A imagem acima foi produzida pelo observatório DSCOVR e mostra a face iluminada da Terra no dia 21 de dezembro de 2020. A linha tracejada marca o equador, dividindo os hemisférios. (crédito: DSCOVER/EPIC)
No inverno do hemisfério sul, os raios do Sol chegam mais inclinados ao nosso hemisfério e permanecemos iluminados por menos tempo. Os dias são mais curtos e as noites são mais longas. Ao mesmo tempo, o hemisfério norte recebe mais luz solar. A imagem acima foi produzida pelo observatório DSCOVR e mostra a face iluminada da Terra no dia 21 de junho de 2020. A linha tracejada marca o equador, dividindo os hemisférios. (crédito: DSCOVER/EPIC)

Esperamos que com esses dados e referências todos sejam capazes de ajudar a freiar mais um boato de rápida circulação nos grupos de whatsapp e possam ajudar a espalhar a boa ciência. Podem compartilhar este artigo sem moderação e estamos sempre prontos para tirar dúvidas em nossas redes sociais: sigam www.twitter.com/ceuprofundo e www.instagram.com/ceuprofundo.

Eclipse Lunar Total: Tudo Que Você Precisa Saber

Vamos começar o texto com uma grande ADVERTÊNCIA: O ECLIPSE COMEÇA NA NOITE DE DOMINGO! E precisava ser em caixa alta e negrito? Precisava! Como o máximo do eclipse acontece na madrugada do dia 16 (segunda-feira), não queremos correr o risco de deixar ninguém achando que é pra começar a observar na noite de segunda! Já pensou, perder o melhor eclipse lunar para observadores no Brasil dos últimos anos?

Na noite de domingo pra segunda, a Lua cheia, cruzando o plano da órbita terrestre – o plano que não por coincidência chamamos de eclíptica, afinal, é nele que ocorrem os eclipses – passará pela sombra da Terra, produzindo o que há milênios permitiu que tivéssemos certeza de que a Terra é uma esfera! Como? Essa é fácil: a sombra que a Terra projeta durante os eclipses é sempre circular e o único objeto que sempre projeta uma sombra circular, não importa como seja iluminado, é uma esfera.

Agora vamos ao que importa para a observação! A imagem acima detalha os horários de cada ponto importante do eclipse (no horário de Brasília) e valem pra qualquer observador que consiga ver a Lua nesses horários, ou seja (se a meteorologia não atrapalhar), todo o Brasil!

A fase penumbral do eclipse se inicia às 22:32, mas essa é uma fase praticamente imperceptível. A queda no brilho da Lua é muito pequena e apenas com o eclipse mais avançado vai ficar mais evidente que algo diferente está acontecendo. É só às 23:27 que a Lua toca a umbra, a região mais escura e com contorno definido da sombra terrestre. A partir daí percebemos a mordida da sombra na Lua cheia.

Como Observar?

Para observar um eclipse lunar não é necessário nenhum instrumento e, ao contrário dos eclipses solares, não é preciso usar nenhum tipo de proteção. É seguro observar toda a duração do eclipse a olho nu. Mas se você tem instrumentos à disposição, telescópios e binóculos podem ser usados e com eles é possível inclusive perceber melhor o deslocamento da sombra da Terra pelas crateras e outras formações da superfície lunar. Experimente cronometrar os eventos mais importantes, como o início da parcialidade, quando a Lua toca o contorno da sombra da Terra (início do eclipse parcial), quando ela entra completamente na sombra (totalidade) e quando ela começa a deixar a sombra até o fim da parcialidade. Você pode também cronometrar os instantes em que a sombra toca a borda de uma cratera e o instante em que a cratera é completamente encoberta.

A única coisa que pode realmente impedir uma boa experiência na observação do eclipse é um céu encoberto. Mas o Observatório Nacional reunirá em seu canal no youtube, numa edição especial do já tradicional O Céu em Sua Casa, a transmissão de vários observatórios espalhados pelo país e certamente vários deles terão belas imagens para compartilhar durante o evento! Fique de olho na transmissão a partir das 23h15.

Lua: Mares, oceanos e baías numa superfície desértica.

A face visível da Lua é marcada por vastas planícies escuras que contrastam com o terreno mais claro e mais acidentado do restante da superfície lunar. Apesar de não haver água no estado líquido na superfície da Lua, essas regiões recebem o nome de oceanos, mares, lagos e baías.

O mares lunares são na verdade um deserto seco e correspondem a regiões inundadas pelo basalto originado na atividade vulcânica lunar (https://doi.org/10.1029/2000JE001244) no período compreendido entre 4 e 1,1 bilhões de anos atrás(aqui é bom lembrar que no português brasileiro 1 bilhão equivale a 1.000.000.000).

A face visível da Lua (imagem da esquerda) e seu lado oculto (à direita) em mosaico composto por imagens da Lunar Reconnaissance Orbiter [crédito: NASA]

Por se tratar de regiões mais jovens do terreno, os mares exibem menos crateras de impacto que as regiões mais antigas e elevadas. Além disso, os mares possuem albedo mais baixo, refletindo menos luz e parecendo mais escuros, destacando-se – mesmo a olho nu – contra o terreno mais claro.

Os primeiros mapas a nomear acidentes do relevo lunar datam do século XVII e já registravam as planícies basálticas como mares e oceanos. Os mapas de Langrenus (1645), Hevelius (1647) e Riccioli (1651) traziam denominações distintas para os mares e para as demais formações da topografia da Lua. O sistema adotado por Riccioli é o que mais se aproxima da nomenclatura moderna, padronizada pela União Astronômica Internacional a partir da aprovação do mapa e catálogo Named Lunar Formations compilado por Mary Blagg e Karl Müller e publicado em 1935.

Mapa da Lua publicado em 1645 por Michael von Langren, o primeiro a atribuir nomes a formações da topografia lunar.
Mapa da Lua de Johanes Hevelius, publicado em 1647 na obra Selenographia.
Mapa lunar desenhado por Grimaldi e publicado por Giovanni Battista Riccioli no Almagestum Novum em 1651 [ETH-Bibliothek Zürich ]

O atlas de Blagg e Müller foi um primeiro passo na universalização da nomenclatura lunar, mas o aumento da resolução das fotografias lunares capturadas em telescópios terrestres e o mapeamento do lado oculto da Lua por espaçonaves exigiu sucessivas atualizaçoes nos mapas lunares nas décadas seguintes. Um curioso episódio seguiu o envio das primeiras imagens da face oculta da Lua pela sonda soviética Luna 3. Os cientistas soviéticos batizaram uma das raras planícies basálticas naquele lado da Lua de Mare Moscoviense, quebrando a tradição de nomear mares com nomes relacionados a àgua (Mar das Chuvas, Oceano das Tempestades…) ou a estados de espírito (Mar da Tranquilidade, Mar da Serenidade…) para o desconforto dos mais apegados à nomenclatura histórica.

A Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (IAU General Assembly) de 1961 estabeleceu que além das regras em voga, ficasse estabelecido que: “Grandes áreas escuras são designadas por denominações em latim referentes a estados de espírito. Estes nomes são associados, de acordo com as regras de declinação e grafia do latim, aos substantivos apropriados: Oceanus, Mare, Lacus, Palus or Sinus. (As exceções Mare Humboldianum e Mare Smythii são mantidas, por estarem consagradas pelo uso). “

“Large dark areas are designated in Latin denominations calling up psychic states of minds. These names are associated, according to the Latin declination ruIes and spelling, to one of the appropriate substantives: Oceanus, Mare, Lacus, Palus or Sinus. (The exceptions, Mare Humboldianum and Mare Smythii, are preserved, due to long usage).” [XIth General Assembly. Berkeley, USA 1961]

A solução para o impasse soviético veio daí! Reza a lenda que o astrônomo Aldouin Dollfus, muito diplomaticamente, estabeleceu que o nome Mare Moscoviense estava de acordo com a regra, porque Moscou é um “estado de espírito”.

Mapa topográfico da Lua criado a partir de dados da sonda chinesa Chang-E1.

Imagens Astronômicas – Visualizando Dados de Imagem

M57 - Nebulosa do Anel
Nebulosa M57, na constelação de Lira. (Hubble/STScI/PID=12309. Processamento: Wandeclayt Melo)

É impossível conter a admiração frente a uma imagem exuberante e colorida como esta da nebulosa planetária M57. A imagem é resultado de observações realizadas pelo Telescópio Espacial Hubble utilizando canal UVIS da câmera WFC3, a mais moderna a bordo do telescópio, instalada em 2009 em sua última missão de manutenção.

Criamos esta imagem utilizando os arquivos originais do telescópio Hubble, combinando dados obtidos através de filtros que selecionam que faixas de comprimentos de onda são transmitidos ao sensor da câmera. Os filtros são necessários porque as câmeras de alto desempenho utilizadas para o registro de imagens astronômicas profissionais geram apenas imagens em tons de cinza, registrando a intensidade, mas não a cor, da luz incidente em cada pixel. As imagens coloridas são na verdade uma combinação de várias imagens individuais em tons de cinza que foram colorizadas posteriormente. Apesar de não registrar cores, estes arquivos podem carregar muito mais informações: coordenadas celestes da região imageada, características do telescópio e do sensor – incluindo parâmetros de eficiência quântica do sensor, que permitem estimar com precisão a quantidade de fótons que foi efetivamente contada por cada pixel – e camadas adicionais de dados como tabelas e arquivos de calibração. Como os formatos tradicionais de imagem não possuem provisão para transportar todos estes dados, a comunidade astronômica desenvolveu seu próprio padrão de arquivo, capaz de lidar com todas essas camadas de informação e de armazenar uma vasta gama de valores por pixel, necessária para compreender as diferenças de luminosidade que muitas vezes precisam ser registradas em uma única imagem sem perda de informação.

Um Formato de Arquivo Dedicado para a Astronomia

O formato de arquivo criado e adotado pela comunidade como padrão para dados e imagens astronômicas é o FITS – Flexible Image Transport System (documentação em https://fits.gsfc.nasa.gov/) e requer ferramentas e aplicativos especiais para sua visualização e análise.

Câmera CCD astronômica SBIG STT-8300. Este é um modelo de câmera disponível comercialmente e utilizada em telescópios de menor porte. Grandes telescópios não utilizam instrumentos comerciais e costumam integrar câmeras e outros detectores projetados especificamente para eles . [Crédito: Diffraction Limited]

Os dados no formato FITS dos telescópios espaciais e observatórios profissionais em solo são disponibilizados em repositórios públicos abertos para a comunidade científica e para a ciência cidadã. Isso significa que você pode acessar, por exemplo, o arquivo de imagens dos telescópios que integram a rede Las Cumbres Observatory (https://lco.archive.org) e localizar, baixar e processar dados reais de observação. Para isso você precisará de um aplicativo com suporte ao formato FITS e se você ainda não usa nenhum dos apresentados nesta lista https://fits.gsfc.nasa.gov/fits_viewer.html podemos sugerir algumas opções.

FITS Liberator

Uma das opções mais simples para visualizar e converter arquivos FITS para formatos de imagem tradicionais (JPEG, PNG, TIFF…) é o FITS Liberator.

Interface do FITS Liberator versão 3.0 (ESA, ESO, NASA).

O FITS Liberator é talvez a opção mais simples se a ideia é apenas visualizar e exportar os arquivos FITS para um editor de imagem tradicional. Ele permite também visualizar o cabeçalho (FITS Header) que traz informações importantes sobre o arquivo (filtros utilizados, tempo de exposição, coordenadas da imagem e do observatório, telescópio e câmera que originaram o arquivo…).
O download da versão mais recente pode ser feito em https://noirlab.edu/public/products/fitsliberator/
A versão 3.0, anterior à atual, possui alguns recursos úteis que foram suprimidos na versão 4.0. Isso simplificou a interface, mas a ausência da função ‘auto scaling’ que fazia um ajuste automático dos níveis de preto e branco na imagem dificulta a vida dos iniciantes. Mas a versão 3.0 continua disponível em: https://noirlab.edu/public/products/fitsliberator/download-past-versions/

Interface do FITS Liberator 4.0 (NOIRLab/IPAC/ESA/STScI/CfA).

SAO Image DS9

O SAO Image DS9 é uma ferramenta usadas por profissionais e por isso engloba funções avançadas de análise de imagens. É possível determinar coordenadas (astrometria) e medir magnitudes (fotometria) , traçar contornos, criar animações… mas tudo isso dentro de uma interface enxuta que não confunde os marinheiros (ou astrônomos) de primeira viagem. Profissionais e usuários experientes usam o DS9 principalmente através da linha de comando, integrado aos ambientes IRAF ou PyRAF.

Para iniciantes, a mais importante adição é a capacidade de combinar arquivos em camadas associadas às cores vermelha, verde e azul, criando assim imagens RGB coloridas. Recurso que pode ser muito útil para atividades educacionais com dados reais de telescópios.

SAO Image DS9 (Smithsonian Astrophysical Observatory, Center for Astrophysics, Harvard University)

O SAO Image DS9 é o nosso visualizador preferido e é o que utilizamos em nossas oficinas. Ele vem de uma longa linhagem que teve origem com o SAO Image em 1990. Uma segunda geração do software foi batizada de SAO TNG (numa referência ao seriado de ficção científica Star Trek – The Next Generation). A geração seguinte aproveitou o embalo e também pegou emprestado o nome de uma série derivada de Jornada nas Estrelas: Star Trek – Deep Space 9, chegando assim ao nome do nosso querido SAO Image DS9.

Apesar da capacidade de criação de imagens coloridas, tenha em mente que o DS9 não é um programa de edição avançada de imagens, ele é uma ferramenta de visualização e análise científica e se você deseja recursos estéticos mais avançados ou se quer combinar muitos frames para melhorar a relação sinal ruído de sua imagem deverá buscar outras alternativas.

A adição de novas funções sempre acrescenta uma maior complexidade de operação, por isso, no DS9 e em todas as ferramentas apresentadas a seguir acostume-se a ler a documentação e a aprender com usuários mais experientes em fóruns especializados.

O download do SAO Image DS9 pode ser feito no endereço: https://sites.google.com/cfa.harvard.edu/saoimageds9/download

Salsa J

O Salsa J é não é uma ferramenta profissional, mas incorpora funções de análise que podem ser utilizadas para tarefas mais avançadas em educação e em ciência cidadã.

Interface do Salsa J durante criação de imagem RGB a partir de arquivos FITS (EU-HOU).

É possível criar imagens RGB, medir magnitudes, tamanhos aparentes e analisar espectros. Sua interface é amigável e o programa roda bem mesmo em máquinas mais modestas.

Se você que um aplicativo leve, amigável e versátil e não faz questão de conhecer as ferramentas astronômicas utilizadas por profissionais, o Salsa J provavelmente vai fazer você muito feliz. Há muitos tutoriais e exemplos mostrando seu uso em sala de aula na educação básica.

O Salsa J e vários tutoriais estão disponíveis em: http://www.euhou.net/index.php/salsaj-software-mainmenu-9

Aladin

Aladin é um verdadeiro canivete suiço com mais funções do que o usuário médio jamais será capaz de sequer explorar. Ele é apresentado como um atlas celeste interativo que permite a visualização de imagens digitalizadas do céu de diversos levantamentos e sobrepor dados de catálogos e outros arquivos astronômicos, inclusive arquivos locais, além de acessas interativamente serviços de informações de objetos astronômicos como Simbad, VizieR e outras bases de dados para todos os objetos no campo.

Interface do Aladin 11 (Université de Strasbourg/CNRS)

O Aladin é o mais intimidador dos programas aqui apresentados e requer uma boa disposição para a consulta de sua documentação. Se seu objetivo é algo modesto como apenas criar uma imagem RGB a partir de arquivos FITS, optar pelo Aladin é algo como usar um canhão pra matar uma formiga. Ele certamente vai fazer o serviço, mas há opções mais econômicas para isso (e com curvas de aprendizado menos íngremes). Amamos o Aladin, mas achamos bem pouco adequado começar a usá-lo antes de dominar algumas conceitos que podem ser explorados em programas com interface mais limpa.

Mas se você realmente decidiu pela ousadia, pode baixá-lo em: https://aladin.u-strasbg.fr/

Um Recado Final

O fantástico mundo dos dados astronômicos reais está disponível para todos. Brincar, aprender e descobrir está ao alcance de qualquer pessoa com com um computador com acesso à internet e com conhecimento suficiente para operá-lo (você precisa ser capaz de instalar os programas e resolver pequenos problemas, comuns a esse tipo de tarefa, ou ter à disposição alguém que vá resolvê-los pra você) . Muitas vezes, as principais dúvidas apresentadas durante nossas oficinas se relacionam a tarefas do sistema operacional do usuário e uma vez sanadas, as tarefas de processamento dos dados segue sem tropeços.
A partir desse ponto o aprendizado vem com a experiência, mas a leitura de manuais é indispensável. A documentação destes softwares é bem completa e costuma cobrir a maior parte das dúvidas que você terá a começar a trabalhar com eles. Mergulhe sem medo nos manuais, eles serão seus companheiros se você pretender se tornar íntimo destes divertidos brinquedos que acabamos de apresentar!

Agenda Astronômica: Janeiro de 2022

02:Lua Nova.
03:Conjunção entre Lua e Mercúrio durante o pôr do Sol.
07:

Mercúrio em máxima elongação leste, ou seja, nesta época o planeta estará visível no horizonte oeste durante o pôr do Sol.
09:Lua em Quarto Crescente.
13:Conjunção entre Mercúrio e Saturno durante o pôr do Sol.
17:


Conjunção entre Lua e a estrela Pollux.

Lua Cheia.
25:Lua em Quarto Minguante
28:

Conjunção entre Lua e a estrela Antares. Nascem no horizonte leste aproximadamente às 2:00 da manhã.
29:

Conjunção entre Lua e Marte. Os astros nascem juntos no horizonte leste aproximadamente às 3:30 da manhã.

Cometa Leonard, onde está você?

Poluição luminosa, pouca elevação acima do horizonte, nuvens, poluição atmosférica e pouco brilho. Esse quinteto sinistro está sendo muito competente para dificultar a observação do esperado cometa C/2021 A1 (Leonard) nesta última quinzena de 2021. Em quase todo o Brasil, observadores reportam dificuldades para encontrar, observar e registrar em imagens o cometa mais brilhante do ano. Mas a insistência pode ser recompensadora. Uma breve trégua entre as nuvens, um pouco de habilidade e conhecimento do céu e alguma dose de sorte podem resultar em boas experiências para os que observam com binóculos e pequenos telescópios e para os perseverantes astrofotógrafos ávidos pela captura de uma visão do astro nebuloso.

Cometa Leonard se pondo em meio ao brilho do céu produzido pela poluição luminosa da cidade de Jacareí (SP), localizada por trás dos morros no horizonte, em 23/12/2021. [Wandeclayt M./Céu Profundo]

Nossas primeiras imagens do Leonard foram capturadas através de telescópios remotos, no hemisfério norte, entre outubro e o início de dezembro, mas a grande expectativa era por poder observá-lo através da ocular e por capturar imagens localmente, com a mão na massa nas câmeras e telescópios. Muito planejamento, equipamentos a postos e uma espera que pode se tornar angustiante são os ingredientes da busca pelo cometa.

Em nossa fase de planejamento, criamos um software que plota o deslocamento do cometa dentro de um período, baseado nos dados de posição disponíveis na central de efemérides de corpos do Sistema Solar do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. Entre os dias 20 e 30/12, o cometa segue a trajetória plotada em azul no diagrama abaixo, cruzando a constelação do Microscópio.

Diagrama de localização do Cometa Leonard no período de 20 a 30/12/2021. Vênus e o Sol estão representados no mesmo período para referência. [Céu Profundo]

Muitas vezes, apenas uma análise posterior dos dados revela a presença do objeto esperado. Sem binóculos ou telescópios e apenas munidos de câmera, objetiva de 85mm e montagem motorizada, fizemos imagens do céu de Alcântara (MA) ainda sob a luz do crepúsculo na sexta 17/12, pouco antes das nuvens obstruírem completamente a visão sob o horizonte oeste. Apesar do aparente insucesso, a imagem ampliada revela a presença do Leonard!

A Linha que Separa a Insistência da Teimosia.

Nos dias seguintes a meteorologia seguiu inclemente, mas, entre as nuvens, o observamos através de um telescópio newtoniano de 200mm f/6, com ocular de 26mm, na terça-feira (21/12). Em nossa primeira observação telescópica a impressão foi de que o amarelo da cauda de poeira predominava e pouco percebemos do esverdeado da coma. Nas imagens desse dia, problemas de alinhamento e vibração na montagem motorizada EQ-5 arruinaram todas as imagens capturadas quando o Leonard ainda se encontrava numa posição mais alta no céu, as primeiras imagens aproveitáveis só vieram quando ele se aproximava do horizonte, em frames com exposição entre 20s e 30s com objetiva de 300mm foi possível revelar o belo, porém tímido, visitante interplanetário.

O cometa C/2021 A1 (Leonard) no dia 20/12/2021, em imagens capturadas com o cometa já baixo no horizonte. [Wandeclayt M./Céu Profundo].

Neste dia não conseguimos percebê-lo a olho nu, apesar de ser razoavelmente fácil identificá-lo na buscadora do telescópio e nas imagens de grande campo. Observadores em sítios completamente escuros, afastados da poluição luminosa das áreas urbanas podem ter sido mais felizes nesse aspecto, e aqui deixamos nossa recomendação: conheça os problemas causados pela poluição luminosa – que não se restringem à observação do céu – e as suas soluções. A rede Céus Estrelados do Brasil é um excelente ponto de partida para quem quer entender o problema.

A Apoteose!

Mas a grande recompensa para a nossa teimosia chegou! Na noite de 23/12 um surto de brilho, aliado a uma posição bem mais favorável para a observação, com o cometa mais alto em relação ao horizonte, nos trouxe o que tanto esperávamos: observamos o Leonard a olho nu! E conseguimos imagens que revelam filamentos da cauda de íons em meio a cauda de poeira e exibem uma região central muito brilhante, envolvida pelo verde característico da cabeleira. Um presente de Natal antecipado para olhos sedentos por uma visão do cometa do ano!

Glossário

  • Coma (ou Cabeleira) – É o envoltório de gás que circula o núcleo. Pode medir dezenas de milhares de quilômetros de diâmetro.
  • Periélio – É o ponto da órbita mais próximo do Sol. O cometa Leonard atingirá o periélio em 03/01/2022.
  • Montagem Motorizada – Para fazer imagens de longa exposição, astrofotógrafos utilizam aparatos que compensam a rotação da Terra, mantendo a câmera e o telescópios apontados para o mesmo objeto.
  • Telescópio Newtoniano – É o tipo mais comum de telescópio refletor. Em vez de lentes, sua objetiva é um espelho côncavo.